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Mostrando postagens de julho, 2011

É bonito.

Um dia, um belo dia, a gente descobre que não é mais a mesma pessoa. A gente criou forças e criou amor e coragem pra seguir em frente, sem olhar pra trás, como nos desenhos dos anos 90. Mãe Natureza gritava, "anda, corre e não olha pra trás!". Agora, a gente sabe andar, sem correr. Andar pra frente. E, olha, acredita: quando te disserem que a vida pode ser bonita, é verdade. O que a gente sente, não. O que a gente sente fica. O que muda é quem sente. O que muda é a nossa forma de agir em relação a isso. "Vai ou fica?" não é mais a pergunta. A pergunta agora é "quem vai? E quem fica?" Porque a gente sempre se doa, sempre se deixa e sempre ganha. Eu deixei uma lá atrás. Eu a olho e não a quero de volta. Não por mágoa, não por medo, não por nada. Mas aquele modelo não cabe mais em mim. É como vestir sua roupa de oito anos, aos vinte. Mas eu não tenho vinte. Eu tenho dezesseis anos. Essa sou eu com dezesseis. Talvez essa fique para trás, também, pra dar lugar

Coração.

Olhando aqui e ali, notei que a tal da cadeira estava com um pé quebrado. Aí vem alguém e bota um pé. Por quê? Deve-se deixar a cadeira como a vida a deixou. Pralguém sentar e cair. Porque, se quebraram a cadeira, alguém vai sentar e cair. Não se deve consertar nada nesta vida. O fundo preto mexia, e a minha visão embaçava, totalmente psicodélico e colorido. Arco-íris em preto e branco, tudo se mexia naquele fundo preto, e a minha visão embaçada. Era o sol. Vai ver era o sol me enganando. Aí a gente sentou, e eu olhei nos olhos dela. Eu olhei bem de perto e vi que aqueles olhos - aqueles olhos meus - pareciam aranhas. Aranhas grandes e venenosas, perdidas nas teias. Aquilo me assustou - como se todo olho fosse, no fundo, uma aranha. Um homem branco com roupas brancas perguntou o que eu iria comer. Eu olhava os olhos, aqueles olhos tão meus, cada vez mais meus, e olhava o homem branco. Falo como se fosse preta, mas nem sou. Veio em mente toda aquela confusão das tardes de terça, das pes

Essas coisas perigosas.

Às vezes o vento sopra forte. A boca do vento me engole. E eu sou levada na saliva do vento e me molho toda. Sou eu na saliva do vento achando que é mar. Nem é. Há coisas que doem caladas, e doem mais quando resolvem gritar. Invadem os ouvidos e te deixam doida, doida de pedra, esmagam tua alegria. E vão embora. Tudo fica limpo outra vez. O tempo passa rápido e os dias vão ficando para trás. O fundo é perigoso. O fundo, o raso, todas essas coisas extremas são perigosas. Mais perigoso ainda é quem gosta de perigo. Ficar no raso só te molha os pés, ir para o fundo pode te afogar. Meio, que é bom, a gente não lembra. No meio, sempre há aquele impulso que pergunta: pra cima ou pra baixo? Às vezes, você sobe. Às vezes, você desce. E, às vezes, você escolhe a sua vontade e faz o que quer. Às vezes, fica tudo bem. Às vezes, você se arrepende. O leite derrama e você chora. Você chora tonta, e o leite no chão. Dizem que não adianta chorar. Mas adianta. O leite não volta, mas a gente tenta não d

Coisa.

Hoje eu acordei sabendo que a vida é uma coisa muito louca. E eu a chamo de coisa. Coisa que não tem outro nome, só vida. Mas vida é mesmo coisa muito doida e rara. Rara, sim. Você é quem pensa que não é. Mas é. Vida é comédia mais drama. Às vezes, acho tudo tão cômico, que choro. Em outras, acho tudo tão triste, que rio. A gente tem que rir mesmo, tem que aproveitar mesmo, tem que chorar também, que um-sentimento-isolado-na-vida-inteira não tem graça. O tempo passa. Algumas coisas vão ficando para trás, outras vão para a frente. Outras param no meio do caminho. Você pára. Mas as coisas andam. Você parado no trem, enquanto o mundo gira todo na tua frente. Alguma coisa tem que mexer, afinal. Mundo não é inércia. Tem coisa que vai pra frente e pra trás e pára e volta e não se sabe pra onde vai. Tem coisa que você odeia, mas você gosta. E não sabe como é possível odiar e gostar e tudo isso ao mesmo tempo. Sentimento não é isolado, eu acho. Sentimento nenhum deve ser isolado. Não que a gen

Aperta.

Eu falava e saíam pássaros da minha boca, aquele lugar todo saía da minha boca. A vizinha e as filhas saindo cedinho, o cheiro de flor do jardim, as ruas que a gente tinha que atravessar pra ir à praia, o barulho dos grilos, o cheiro da carne do churrasco do domingo, aquilo tudo saía da minha boca e vivia. E eu vivia de novo, enquanto minha boca se alargava pra dar espaço a tudo, eu vivia de novo, eu voltava nos anos e vivia, só isso. Era eu vivendo, mais nada. Não há coisa mais simples do que só viver. A vida me tomou pela cintura e não largou, me faz dançar até chorando, mas não largou. E eu não queria largar. Até já quis, quando aquela mão-de-vida segurava forte demais, parecia que ia me derrubar, e de propósito, vê, de propósito a vida ia me derrubar, e eu sentia raiva dela e queria me soltar e mandar aquela música pra o quinto de outros infernos, que eu já estava no meu. Mas ela não deixava. E eu mudava de idéia. Acabei me acostumando a brigar com a vida, mas, sabe, eu gosto dela.

Olvidar.

Fechou a porta. Fechou oito vezes. Olhou pra janela. Aquela sensação de que havia esquecido. Brincos? Nas orelhas. Relógio? Quatro e meia. Sapatos? Descalça, ela não sairia. Nua, também não. Menos ainda. Nua, menos ainda. Com bobes na cabeça, não estava. Não, não devia ter esquecido nada. Só sensação mesmo. Como se sensação existisse sozinha. Continuou. Mas, droga, ela havia esquecido. Ela sabia que havia. Mas o quê? O juízo? Não. A cara? Não. A cabeça? Não. Não deve ter esquecido nada, mesmo. Que bobagem. Tudo branco de chuva. Deus esqueceu o sol, deve ser isso. "Deus me esqueceu" lembrou. "Ou você esqueceu deus? Ou ambos se esqueceram, e tudo bem?". Não esqueceu nada. Larga isso da cabeça. E foi. Deixei algo lá, sei que deixei. Eu sei que deixei. Algo me sabe que eu deixei. A bolsa tá cheia, mas eu deixei. Não. Deixa pra lá, deixa isso pra lá. Você não deixou nada. Dormi. Acordei. Espera. Deixei mesmo: fui eu.

Duas às nove.

Aimée lavava os pratos. Célia, morena, da pele branca e sobrancelhas grossas em ângulos de cento e vinte graus, enxugou e guardou. Aimée lavava até ter os dedos engelhados. Célia passou o pano, esfregou como seu corpo numa toalha. Porcelana branca, detalhes bem pequenos, Célia limpava como se visse. Mas é aquela que nada vê. Terminaram. Nove horas. O céu era roxo como filme da tv, casa não conhecia poeira, a cerâmica brilhava como nos livros mais clichês. Aimée deitou. "Sonha com os anjos", "Sonho, Célia. Obrigada". Virou para o lado, encostou a cabeça de anjo e dormiu. Célia acordada. Aimée dormindo. Célia acordada. Célia revirou de um lado para o outro, de uma ponta para a outra, o lençol caiu no chão, fronha não tinha mais, o braço tinha a marca dos dentes, a gengiva sangrava. Quarto em silêncio. Não havia um pio, nem de passarinho. Fios de cabelo no chão. Aimée era amada. Célia não era. Acordou, escovou os dentes, tomou banho e foi.

O pé de feijão do João.

Solidão não me acompanha mais, não. Largou da minha mão e foi embora. Não queria soltar, não queria, mas olhou pra mim e desistiu. Solidão quer seus dentinhos pra dentro, assim, bem guardados, quer sua cabeça baixa e sua cara tristinha. Quer que force a tua risada quando a mandarem embora. Quer que mude a tua cara quando sair. E não solta. É leal, gruda no teu pé, que nem chiclete rosa jogado na esquina. Mas solidão tem boa intenção: quer mostrar que tu não estás sozinho. Como o leão que te morde pra mostrar como os dentes são macios. Solidão é ímpar. Não tem par, não tem pé, não tem cabeça. Solidão te tem e só. Sol não brilha mais, vais achar que sol nunca brilhou. Estrela não brilha, pôr do sol tem-todo-dia, cometa não realiza pedido, São Jorge não mora na lua, horóscopo não muda coisa nenhuma, teu dente ainda espera a fada embaixo do travesseiro, Papai-Noel não tem renas, Julie Andrews não voa com um guarda-chuva, mas veste Prada. Vida é coisa engraçada. E, quando notares, terás ido

A Dora.

Mas havia coisas em Dora que ninguém sabia. Dora era branca, alta, olhos bem negros-cor-das-trevas, olhos bem grandes. Mas Dora era um anjo, um anjinho de menina. Ninguém via, ninguém sabia, ninguém desconfiava. Dora era exposta, todo dia na janela, todo dia ela sorria. Dora era tudo. Era tudo. Coitados, pensava Dora, coitados. Essa é uma revelação, Dora é uma revelação. Virou Pandora. Dora te adora, meu bem. Dora te ama e te ferra. Pandora matava e morria. E sorria, porque de boa ela não tinha nada.

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Eu pensei, agora, que gostaria de ter algo bem suave - como estou me sentindo - para escrever. Meus textos, ultimamente, são repletos de cenas tristinhas e alguns palavrões. Não que eu seja triste: eu não sou. Eu fico triste por momentos, porque meu humor jura que vive em uma montanha russa. Hoje está tudo muito meigo, me sinto num quarto de bebê. Não vou escrever como uma descontrolada em um manicômio. Não que eu seja controlada: eu não sou. Mas hoje não é dia disso. Hoje é uma parede branca e limpa. Não que alguém tenha limpado. Foi pintada de branco, e não importa o que estava riscado. Sabe que, até hoje, eu tenho uma lembrança, que eu não sei se aconteceu, ou se eu imaginei. Sou eu-pequena riscando a parede, enquanto minha mãe limpa. Eu juro que não sei se aconteceu. Eu acho que não, sei lá. Eu li um texto de alguém para alguém, que pedia "fique, fique". Eu achei bonito e tive vontade de escrever também. Eu não sei fazer diário. Não sei, mesmo. Hoje eu acordei, fiquei dei

Em sal.

Pensava assim: - Nada. Nada, nada. Mas ninguém é tão delicado, tão docinho. Falta açúcar: pede no vizinho. Sem intenção, pede só açúcar. Que doçura de pessoa. Tão meiga, tão fofa, tão adorável. Bonequinha de pano. Boneca de voodoo ao contrário, enfiando agulha em todo mundo. Olhava pra mão: carne viva. Olhava pra dentro: carne morta. Nada se comparava àquilo. Era uma droga, um troço que meio que não dava pra controlar. Nem contava os "que", dizia sem pensar. Pensava falando. E se perdia. Era gênio, genialidade total. Corria pro mar, melando os pés d'areia, falava tão rápido que fez mar ao redor. Perdido. Perdidinho. Sem nome, identidade, idade. Era um corpo vivo correndo pro mar. Raiva tomou conta. Uma droga, uma porcaria. Teve tanta raiva que correu pro mar. Afogado. Era um corpo morto. Morto no mar. Mar de onda grandeassassina. Nem pediu açúcar: morreu em sal.

Isa.Bela.

Chamava-se Isabela. Bela, Belinha, Bel, Bebel, Bê, Isa. Tantas, tantas. Uma só. Isabela era loira e usava trança. Não sempre, que Isabela não era mulher de um cabelo só. Fios bem loiros, lisos e grandes. Olhos verdes, de gato assustado. Era magra e usava vestidos. Naquele dia, era um vestido azul com bolinhas rosas. Quieta, cara de santa, mas nem religião tinha. Isabela era danada. Não era filha do diabo, mas era danada. A mulher tinha casos. Ela lia muito. Um caso com Menino de Engenho, outro com A Visita, até memórias póstumas tinha. Era A Mulher Mais Linda da Cidade. Todo rapaz olhava, mas nenhum era original. "Isabela, você é tão bela". E Isabela vomitava. Quem se acostuma a Quintana, não quer cantada de feira. Como ela queria, não tinha. E ela nem procurava. Era danada e tinha um caso com cada livro. Isso, sem contar os livros que nem terminava. Promíscua, Isabela promíscua. Lia vários de uma vez, e não escolhia um só. Seria queimada na fogueira, era bruxa, Bruxa Isabela