Chiaroscuro
Luz. Um dia a recebi como quem recebe barras de ouro e não sabe o que isso é. Um dia eu quis ser luz pura, brilhante como o sol que ofusca e para o qual se insiste em olhar. Mas sempre me guiei pelos opostos – a escuridão e seus mistérios e medos e torrentes assustadas do desconhecido sempre me atraíram mais. Um dia, alguém me deu à luz. E o sol se revolta há alguns anos e eu me vejo um pouco diferente um pouco mais magra um pouco mais estranha mais incoerente mais menos de algumas coisas mais de mim, ainda que eu não saiba o que isso quer dizer. Menos humana. Mais animal. Eternamente nessa divisa esquisita que vem do pensamento por ser humana e dele vai embora ao mínimo sinal de ira por ser animal. Um pouco mais perdida. Dissimulada. Com olhos de ressaca de quem não bebe há dois anos. O cansaço natural de ser o que se é todos os dias. Sem intervalos. O rastro perdido dos próprios pés sem direção certa. Que às vezes finge. Às vezes sabe bem para onde vai. Depois, não sa