Duas às nove.

Aimée lavava os pratos. Célia, morena, da pele branca e sobrancelhas grossas em ângulos de cento e vinte graus, enxugou e guardou. Aimée lavava até ter os dedos engelhados. Célia passou o pano, esfregou como seu corpo numa toalha. Porcelana branca, detalhes bem pequenos, Célia limpava como se visse. Mas é aquela que nada vê. Terminaram. Nove horas. O céu era roxo como filme da tv, casa não conhecia poeira, a cerâmica brilhava como nos livros mais clichês. Aimée deitou. "Sonha com os anjos", "Sonho, Célia. Obrigada". Virou para o lado, encostou a cabeça de anjo e dormiu. Célia acordada. Aimée dormindo. Célia acordada. Célia revirou de um lado para o outro, de uma ponta para a outra, o lençol caiu no chão, fronha não tinha mais, o braço tinha a marca dos dentes, a gengiva sangrava. Quarto em silêncio. Não havia um pio, nem de passarinho. Fios de cabelo no chão. Aimée era amada. Célia não era. Acordou, escovou os dentes, tomou banho e foi.

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