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Mostrando postagens de outubro, 2011

Para Recife.

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Recife, você é lindo, juro. Nem todos te conhecem, e é uma pena. És lindo pela manhã, à tarde e à noite. Não há hora ruim pra tua beleza, nem há algo que a estrague. Há crimes, há maldade, há tudo que existe em todos os cantos, às vezes em maior incidência. Eu não sei detalhar todas as coisas que te deixam incrível e único. Não sei se é o Recife Antigo à noite, totalmente iluminado. Não sei se é Boa Viagem de manhã cedinho. Não sei se é a calçada das Graças. Tu és conhecido pelo "oxi" e pelo calor. Mas és bem mais, muito, muito mais que isso. Quem não vê, não sabe. Não precisas de contraste em fotografias para ser bonito. Não precisas de luz. Não precisas de nada além de ser como é. Não estou tentando aumentar seu encanto em palavras - aliás, eu nem cheguei perto. Nem estou falando que Recife é a cidade mais bonita do mundo, até porque não conheço muitas. Apenas é linda. Eu vejo alguns te rejeitarem, te compararem a outros lugares e soltar desprezo. És bonito para quem te c

A caixa: entre o medo e a vontade.

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Regina olhava uma caixa, de longe, tentando imaginar o que teria dentro. Podia ter um pinto mal saído da galinha, uma bolsa Chanel. Regina era dada a pensamentos desprovidos de noção. Talvez houvesse mesmo o pinto. Lembrou da galinha que seu pai matara, há tantos anos, mas o sangue escorrendo nas mãos do pai, mesma genética que a sua, pai seu, dono dela, o sangue escorrendo vivia naquela cabeça castanha de Regina. De primeira, sentiu pena da galinha depenada. Com a sequência de mata-mata, a comiseração morreu também. Era normal matar uma galinha, mas ela não tentaria - talvez houvesse uma peninha, perdida naquela imensidão que já era Regina, aos 9 anos. Continuava sem saber o que havia na caixa. Sempre quis Chanel, mas o pai, o mesmo que matara a galinha, não era próximo às futilidades de menina, que a filha queria. Mãe, não tinha. Tinha, é claro que tinha, todo mundo tem mãe. Da mesma forma, Regina perdeu sua única saia que ainda passava pelo bumbum, mas nunca deixaria de possuir aqu

Aleatoriamente, eu falo.

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Dá uma mistura de saudade com não-querer-de-novo. Não que tenha sido ruim, nada disso, mas eu não sinto falta. Sinto, sei lá, alguma coisa que me dá saudade - que é diferente de falta, só para não confundir mais do que já o fiz. Desisti de esperar, juro que não espero mais. Não por raiva, medo, qualquer coisa assim. Só por não mais querer. Aquilo está presente em mim - onde, eu não sei -, e é por isso que há toda uma estranheza perante à coisa. À coisa, não: à pessoa. Às pessoas. A mim. Nem escrevo mais da mesma forma - o que eu considero bom. Na realidade, não tenho mais me abalado. Agora o que eu sinto é o que toda natureza sente - não vou esclarescer. As coisas têm sido lindas, até as não-muito-boas, mas não estou com vontade de mais um texto lindo e cintilante. Não que eu queira algo pessimista... Lembrei agora de um filme, do Truffaut, no qual o personagem diz algo como, "Não há como ficar entediado, sempre há algo para fazer". E é verdade. Sim, é possível sentir tédio,

Um texto para nada.

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Acordo. Abro os olhos: é dia. Fecho. Abro: ainda é dia. Minhas pernas têm o peso da inquietude na madrugada, não querem que eu levante - eu também não quero, mas dizem que a gente não faz só o que deseja. Continuo deitada. Sinto que a meia permanece apenas em um dos pés, e o calo do outro ainda dói. Abraço bem forte o travesseiro, penso em lembrar dessa sensação pelo resto do dia, quando vier o cansaço. Vou acordar, pisar no chão, pensar besteira, bater na madeira, ficar zarolha de sono, andar como em início de filme, que a-mocinha-está-dormindo-meio-bêbada - pode ser Butterfield 8. Mas nem bêbada estou. Sento. A cabeça dói, logo passa. Viro para a esquerda, saio com os dois pés. Vem o arrependimento por dormir às quatro da manhã - não como festeira, alegraça, mas vendo filme. Faço de novo. Abro a porta, falam comigo. Viro lacônica, não acordo Emília. Perguntam se tenho raiva: não. Se sou mal humorada assim mesmo: às vezes. Não respondo. Escolho a roupa, olho muitas sem raciocinar. Que

Ana nasce para o mundo.

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Sofria. Ana sofria todos os dias. Não quando subia tortuosamente as escadas, ou nas horas em que trabalhava. Ana sofria devagarinho. Devagarinho lavava os pratos, e devagarinho chorava. Quem sabe em 99 chorasse pelo joelho ralado de 98. Abria as cortinas, via o mundo: real. Quando caía na realidade - a com fatos, carne, osso e cores -, ficava atônita. Como podia ser real, se nem ela mesma o era? Achava até que passariam os créditos, após sua morte. Créditos para quem? "Direção de deus"? E se fosse atéia, não teria direito às letras de forma num back preto? Mas ser humano tem liberdade para achar o que quiser. O problema é que ela não queria. Ela até queria acreditar, mas não sabia. Até por não existir esse "querer acreditar". Quem crê, crê: ponto. Em relação ao Reginaldo, acontecia o oposto. Tantas vezes ele mentia, tantas ela acreditava. Arranjava hipóteses para justificar suas demoras, sua grosseria, seu mau humor matinal, tardal e noital. Sua falta de educação. S

Uma liberdade enorme.

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Eu perdida naquela liberdade toda. Juro que não sabia. Juro! Ninguém lembrou de mim: isso é que me irrita. Eu perdida naquela liberdade toda, e ninguém me socorreu. Eu, cega de azul, eu cega de azul andava pra lá e pra cá. Tanta liberdade, não sabia pronde ir. Juro que me enganaram. Juro! Prometeram asas e céu azul: não veio nada. Veio a porra d'uma liberdade! E ainda trouxe responsabilidade junto – eu não tinha dois quartos. Queria que vivesse comigo. Que morresse comigo. Passei a ver miragem, e nem sede eu tinha. Se eu tinha sede, tinha água. Eu, viva, perdida naquela liberdade toda. Às vezes acho que todo ser humano nasce sabendo. Sabendo que vai se negar a tudo. Eu via filme, eu escrevia, eu saía. Eu sabia pra onde ir, mas não ia. Eu não vivia, eu não morria. Eu fazia sei-lá-o-quê. Eu fingia. Eu era livre - dizia que não. Eu era morena – dizia que loira. Passei a falar sem nexo, umas coisas que não eram minhas. Parecia filosofia, surrealismo, sei lá, uma droga qualquer que eu n

A de amor, B de briga.

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- Você me ama? - Sim. Você me ama? - Que horas são? - Não me ama. Se amasse, não pularia minhas perguntas propositalmente. - Dramas só são bons em filmes. - Deus assiste ao nosso filme. - deus não existe. - Eu sonho tanto. - Não sonha. Se sonhasse, não diria. - Seu único sonho é que chegue o domingo, para que possa dormir até tarde. Você não tem ambição, é fraco e estagnado. Eu tenho nojo de você. - Então você ama o que te dá nojo. Ama as baratas? - Você é idiota. Acho que não sinto mais nada. Eu sei que sinto, algo em mim sente-lá-dentro, mas não sai pra fora. - Além de tudo, é pleonástica. Você está inspirada hoje, cheia de ideias. - Não estou. Inspiração não é só uma ideia nova, mas uma ideia junto a impressão de que se está feliz, apenas por pensar, mesmo que tudo esteja errado. Eu ficaria feliz se você se abrisse para mim. - Eu me abriria, se você fosse clara no que diz. A única coisa clara é tua pele, pois, quanto ao resto, não entendo nada. E você faz de propós