Uma liberdade enorme.

Eu perdida naquela liberdade toda. Juro que não sabia. Juro! Ninguém lembrou de mim: isso é que me irrita. Eu perdida naquela liberdade toda, e ninguém me socorreu. Eu, cega de azul, eu cega de azul andava pra lá e pra cá. Tanta liberdade, não sabia pronde ir. Juro que me enganaram. Juro! Prometeram asas e céu azul: não veio nada. Veio a porra d'uma liberdade! E ainda trouxe responsabilidade junto – eu não tinha dois quartos. Queria que vivesse comigo. Que morresse comigo. Passei a ver miragem, e nem sede eu tinha. Se eu tinha sede, tinha água. Eu, viva, perdida naquela liberdade toda. Às vezes acho que todo ser humano nasce sabendo. Sabendo que vai se negar a tudo. Eu via filme, eu escrevia, eu saía. Eu sabia pra onde ir, mas não ia. Eu não vivia, eu não morria. Eu fazia sei-lá-o-quê. Eu fingia. Eu era livre - dizia que não. Eu era morena – dizia que loira. Passei a falar sem nexo, umas coisas que não eram minhas. Parecia filosofia, surrealismo, sei lá, uma droga qualquer que eu não sabia de onde vinha. E vinha. Vinha num fluxo maldito que não parava, e eu sabia que não findaria. Eu perdida naquela liberdade toda. Eu podia chorar – eu chorava! Eu podia sorrir, bem alto – eu sorria! Mas, de repente, vinha aquela vontade de não chorar ou rir bem baixinho – de propósito!  Eu tinha raiva, e não escolhia. Era a liberdade se fazendo em mim, sozinha. Que tristeza, meu deus! Que tristeza tu me destes! Eu tinha todas as palavras do mundo – metade na mão esquerda, metade na direita. E eu não usava nenhuma. Calei, em revolta ao que eu podia. Não lutava pelo poder, lutava por qualquer coisa que eu não tivesse: e eu tinha tudo. Lutar, eu não podia! Podia, mas por o quê? Chorava, meu deus. Eu chorava sozinha. Queria drama: eu tinha. Queria comédia: eu tinha. Queria suspense: eu tinha. Mas não podia deixar de ser eu. Então notei que me enganastes. Dissestes que eu teria tudo. Mas eu sou eu: eis o limite. Juro que desisto. Juro! E não deixa que eu queira ser outra pessoa, que pra isso eu não quero ser livre nunca.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A noite

Só.

Duas às nove.