Não saber

Tudo dói um pouco à
meia-noite de um sábado
a falta de pressa
a calmaria
a brisa imaculada que canta e
regenera os pecados todos
e as culpas sem sentido
e também as com sentido
o vento no rosto que a
tudo perdoa
sem exceções
o medo, a angústia
a dúvida de pra onde vamos após
a vida e após
a morte
qual a duração
da morte
do intervalo de tempo entre a
vida e a pós-vida
se a duração existe
o que é durar e
o quanto isso vale
pra onde vão os outros que
não vejo
não toco
não beijo
pra onde vão os que ainda
habitam a terra e sumiram da
alma
se existe alma
se existo
se habito um lugar que posso
chamar de meu
se sou minha
dos outros
de ninguém
sem dono sem coleira sem
memórias
tudo apagado
reinventado fingido
uma
duas
mil vezes mais
aonde estou quando me vejo e
não me reconheço no mesmo
corpo
os braços dormentes
a alma anestesiada
nada doerá
nada parará nisto que
nem mesmo é meu
que nem se sabe
que tem pernas e barriga e
dedos sem consciência de si
conjunto inorgânico
aleatório
estranho e com uma lógica
própria que se desconhece
plena em sua ignorância
as lágrimas que caem e
se ausentam e se misturam ao
que as fez e não se
sabe onde nasceram
de onde vieram
de onde surge essa
tristeza infinita
parasita de um espaço com
nome dado pelos outros
sempre os outros
o inferno que não se
escolhe
e com o qual a vida é
tecida por completo
e ainda assim
tudo dói um pouco
apesar de todas as promessas
sempre
em todo momento
à meia-noite
às onze
ao meio-dia
às terças
aos domingos
nada importa, afinal,
a cronologia inexiste diante
do tempo interno dos sentidos
escondidos de uma sensação
inteira
desconhecida de si
estranha como um homem que
se olha e não
se vê
tudo dói um pouco
e se somente a dor me sobrar
ainda assim
estarei viva
e seremos uma só
juntas
renascidas
encontrando outras no
caminho e finalmente percebendo
que nenhuma dor
está sozinha.

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