O ônibus
Eu sinto a vida macia e
Leve, como um ônibus
que peguei
Numa quarta-feira à
noite
Prum bar.
Vou cambaleando um
pouquinho, e
Morro nas lombadas,
E acho essas metáforas
ridículas,
Mas não posso evitar
me sentir
Como num ônibus que
peguei
Numa quarta-feira prum
bar.
Quarta não é dia de
bar, é verdade,
Mas esse bar só
funciona nas
Quartas, e eu só
funciono com esse bar
Como se eu fosse uma
máquina e
Precisasse funcionar,
Ser útil,
Cumprir os passos,
Não dar choque,
Ser econômica
E substituível por
qualquer modelo
Novo.
Lá no fundo,
Ou nem tão fundo assim,
Somos todos
substituíveis,
E ímpares, e estranhos,
Porque somos humanos, e
Erramos, e mudamos de
ideia
No interstício de
segundo
Entre um interstício
de segundo e outro,
E perdoamos, e
guardamos mágoa,
E amaldiçoamos o dia
em que o
Outro nasceu, mas
Choramos,
E nos damos conta das
próprias merdas,
E precisamos lavar os
próprios pratos pra
Pagar o infortúnio de
ter nascido
Sem pedir,
Sem aviso prévio,
Sem preparo,
Todos no mesmo
barquinho de papel
Em meio ao oceano
infinito,
Ou como um ônibus
macio
Andando a caminho dum
bar,
Na quarta-feira,
À noite;
Penso que pegar esse
ônibus
Foi a escolha de não
pegar todos os outros,
Não de uma vez, como
não haveria de ser,
Mas outro qualquer,
cada um a seu dia
À sua hora,
À sua parada, a seu
agito,
A suas lotações e
caras perdidas,
Que pensam na conta a
pagar,
No nome como número de
série
E nas sensações como
funcionalidades;
Penso que escolher
aquele ônibus
Foi não escolher todos
os outros,
E, a partir daquele
ônibus,
Meu destino estaria
definido
Por mim
Por mim-deusa, cheia de
poderes
Estranhos, que tem
alergia e sinusite
Na testa, quando vai
chover;
Por mim, que fala deste
ônibus
Como se ele estivesse
sempre a vir,
E não viesse
Nunca.
E é aí que vejo que
eu não sou só
Eu
Mas a voz ecoada dos
meus pais,
Da minha tia,
Do meu avô que não
conheci,
E dos passageiros do
ônibus que
Peguei numa quarta à
noite
Prum bar;
E que eu não me defino
só,
Que eu não me defino,
Que eu não sei que
coisa eu
Sou, e que ser essa
coisa não
Me impede de ser outras
Tão diferentes,
opostas, ambíguas
E sem solução,
Como um ônibus, na
quarta à noite,
Que quebra no meio do
caminho,
E não mais importa se
era noite, dia
Ou tarde:
O fato é que eu
existia
E o ônibus também,
E nós estivemos juntos,
E ele me amaciou
minutos como
Quem me amaciasse a
vida inteira
E me deixasse com
cheirinho de nova
Pra curar qualquer
angústia
Sem origem, sem
palpites,
Num bar,
Ou como alguém que
desistisse do bar;
Que fosse para outro
lugar e
Percebesse que sempre
nasceu para ser
Cristã,
Ou até mesmo pagã.
Nada mais importa,
afinal,
Só a minha essência
perdida num
Mundo a vagar pela
maciez
De um ônibus qualquer,
Em todas as paradas do
Universo.
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