A noite tem essa coisa Esse mistério de mundo Místico e oculto Como se somente nas trevas Pudessem brilhar as estrelas A noite vem com sua morte Temporária, aperitiva, E um espelho a nos Mostrar quem somos Em histórias estranhas (Ainda que nossas: estranhas) A noite vem com Suas promessas, De partida, Prometendo um Novo dia Se aceitares morrer Um pouquinho.
Eu ouvi aquele ruído chato. Aquele ruído chato que mais parecia minh'alma gritando. Minh'alma é mais bonito que minha alma, pois é um só. Sozinha, me sinto cada vez mais estranha. Minha cabeça pesa. Não sei mais se estou sendo, acho que não. Meu sorriso não aparece mais aleatoriamente. Estou séria em frente ao que escrevo, dentro disso, longe daquilo. Escrevo tão alienada, tão alienada, que não sei bem o que digo, ou se deveria dizer. Estou triste, é isso. E olho ao redor, - e detesto começar uma frase com "e olho ao redor", não pergunte o motivo - e sei que não é bem assim. Mas minha cabeça pesa. E eu me sinto pesada, as coisas voltam a não ter mais tanta graça. Eu não gosto de andar sem rumo, desse jeito. Só no literal. Em mente, não. Quero que meus pensamentos tenham rumo, que eu saiba o que fazer, que eu tenha certeza do que quero fazer, que eu seja mais simples - só hoje. Mas hoje é amanhã, já já. Tarde pra pedir hoje pra hoje. Quereria dizer, realmente, tudo e t
Aimée lavava os pratos. Célia, morena, da pele branca e sobrancelhas grossas em ângulos de cento e vinte graus, enxugou e guardou. Aimée lavava até ter os dedos engelhados. Célia passou o pano, esfregou como seu corpo numa toalha. Porcelana branca, detalhes bem pequenos, Célia limpava como se visse. Mas é aquela que nada vê. Terminaram. Nove horas. O céu era roxo como filme da tv, casa não conhecia poeira, a cerâmica brilhava como nos livros mais clichês. Aimée deitou. "Sonha com os anjos", "Sonho, Célia. Obrigada". Virou para o lado, encostou a cabeça de anjo e dormiu. Célia acordada. Aimée dormindo. Célia acordada. Célia revirou de um lado para o outro, de uma ponta para a outra, o lençol caiu no chão, fronha não tinha mais, o braço tinha a marca dos dentes, a gengiva sangrava. Quarto em silêncio. Não havia um pio, nem de passarinho. Fios de cabelo no chão. Aimée era amada. Célia não era. Acordou, escovou os dentes, tomou banho e foi.