Tarja preta.

Era um suicida. Sapatos, jeans, autocida. Oito letras. Tão provocante, tão pecador. Não dá pra ser ex-suicídio. Ou é, ou não é. O suicida era vizinho da loucura. Percebeu que "louça", sem cedilha, é louca. E via loucas nas louças. O prato que você come te enlouquece. Pra comer prato, só pode ser louco. Mas um louco fala pra outro louco uma loucura qualquer e os dois acreditam. Todo louco meio que acredita. Morando entre as benzamidas, móvel preto, casa preta, tarja preta. Haldol, Diazepam. Pam Pam Pam, não podia ser tudo. E vibra forte no ouvido aquela voz filha da puta, voz de tarja preta, quase arrancando os tímpanos do louco. E ficava louco louco louco, mais louco que tropofonia. Girava inteiro em sentido horário, suicida girando em sentido horário. Fazia macumba, abria o tarot, acendia vela pra Nossa Senhora, jogava flor pra Iemanjá, pagava o dízimo da Batista, frequentava grupo ateu. Morto morto morto, Roleta Russa na cabeça, morto no Brasil. Esperança nenhuma, deus nenhum, santo nenhum ajudou. Arcano sete, gato de sete vidas, vibrava forte no ouvido aquela voz filha da puta. Pega a roleta russa, Angêlo, pega a roleta russa. Aposta no oito, é pecado teu. Tu já és inteiro pecado, o que fez de bom não valeu. Vai, Ângelo, pega a porra da roleta russa. Suicida. Morto no Brasil. Arcano sete na mesa. Esperança ficou. Suicida, suicida foi embora. E tirou a cedilha da louça. Coitado, parado no meio daquela merda toda, casa virou cemitério. E, no meio daquela merda toda, o ventilador ligado, como se morto estivesse vivo. Mas não estava. Diazepam na mesa. Louco nem era louco. Louco só havia desistido. Ele não. Ele nasceu. Ele nasceu de novo. Vibraria forte no ouvido aquela voz filha da puta: tu não tens mais ouvido.

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