Elisa.

Coloridinha e vermelha como rosa nascendo. Toda coloridinha e vermelha, asas para fora, voando toda vermelha. Sangue saía, ninguém via. Sangue jorrava, ninguém via. Sangue chorava, ninguém via. Era toda vermelha e coloridinha. Podia voar, mas andava. Podia boiar, mas nadava. Podia correr, mas sentava. Limite não tinha, mas criava. Rimar não podia, mas rimava. Sentou no banco, em frente à grama, e parecia toda desiludida. Toda coloridinha e vermelha e desiludida. Mas ela nem estava desiludida. Elisa fingia só para atrair. E atraía errado. Elisa: nome de cantora que finge não ter voz. Elisa: queria Êlisa, mas era Élisa. Elisa: dona de um cachorro que dormia, quando ela chegava. Elisa tinha cachorro, mas não brincava. Elisa queria que o cachorro fosse gente, assim, ser humano, como ela. Elisa não comprava ração, comprava galinha. Cachorro virava gente, dormia, mordia, e Elisa reclamava. Seu cachorro se chamava "o cachorro". Se chamassem Elisa de "pessoa", ela se irritaria. Mas ela era dona do cachorro, e ninguém tem nada a ver com isso. Nem ela. Gritava "o cachorro, vem cá", com artigo "O cachorro", porque era O cachorro dela. E abraçava o cachorro, mas o cachorro dormia. Até que, quando ele cresceu, ela percebeu que ele tinha alma de tartaruga. Criado como gente, com alma de tartaruga, mas era cachorro. E Elisa o alimentou com plantas. Até que O cachorro morreu. Elisa, toda coloridinha e vermelha e desiludida, ficou Elisa sem O cachorro-com-alma-de-tartaruga-e-criado-como-gente. Elisa: nome de gente que mata cachorro. Coitada da Elisa, matou sem perceber. Matou na ânsia de ter gente, mas só tinha cachorro. Tristeza acompanhava Elisa, coitada da Elisa, coitada da Elisa. Elisa nem acreditava em deus. Mas cachorro morreu, ela queria que cachorro fosse para o céu. Elisa passou a rezar. Rezava todas as noites, "meu deus - era o seu deus -, leva O Cachorro para o céu". Mas foi atormentada por uma dúvida: será que deus sabia que O Cachorro era o seu Cachorro, e não qualquer cachorro? Será que O Cachorro estava bem? Será que O Cachorro estava? Tristeza chamou Elisa. E Elisa foi. Foi chamada por "pessoa". Elisa morreu, e juntou-se ao Cachorro. Elisa sempre foi Elisa com O Cachorro. E assim seria. E o céu ficou todo coloridinho e vermelho e desiludido. E, quando há arco-íris, Elisa dá galinha ao Cachorro. E chora, coitada, chora por ser Élisa.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A noite

Só.

Duas às nove.