Por tanto: o casalzinho.

O casalzinho feliz está de volta. Palavras no diminuitivo, às vezes, mudam a história. A historinha. Mas não é infantil. Pode até ser, quem sabe? Eles eram doces como pirulito de criança - como se houvesse pirulito de adulto. Enfim, de volta! De volta - aos gritos - de volta! O casalzinho se olha, todas as noites, na mesma hora, 19:19h. Dizem que terás uma surpresa. Mas eles não acreditam nisso. Agora, pergunte-se: eles olham um para o outro, ou se olham no espelho? Muda? Muda, sim. Ela estava de sapatilhas brancas, com bolinhas vermelhas. Estilo joaninha-inventada. Ele usava gel. É, gel mesmo. O que era mais brega? Vamos, você decide. Eles brigavam, algumas vezes. Ela com sapatilhas, ele com gel. Ele perguntou qual a última vez em que ela chorou. Ela respondeu "quarta-feira". Em público. Chorar em público é decadente. Decadente virou sinônimo de incontrolável. Mas atores sempre fazem isso. Ela fingia ser atriz. Era atriz sozinha. "Sou atriz sozinha, sou atriz sozinha" repetia. Ela não era atriz que fingia, ela fingia que era atriz. Qual é o problema em ser feliz? História feliz não anda, não conta, não ganha? A gente tem que chorar? Tem, respondia. Talvez uma vez na semana, ou uma vez ao mês, uma vez ao ano, mas a gente tem que chorar um pouquinho, sabe? Casalzinho chorava também. Mas ela dizia, e ele não. Homem não chora, pra ele. Mas ele era homem, e sua masculinidade não se derretia a cada lágrima. Ela sabia disso. Ele é homem, homem que chora. Lágrima não escolhe sexo. Era um casalzinho, mas não gostava de cafezinho, bolinho, jantarzinho. De minúsculo, só o nome. Ela gostava quando ele tinha ciúme dela. Ela queria que fosse doninho dela, entre aspas. Porque ela também queria ser dela mesma. Casalzinho casou. Casou em alma. Não queria igreja, não queria véu, não queria grinalda. Alma não quer nada disso. "E temos alma?" Ele perguntou. "Não sei, mas é com ela que quero casar" Ela respondeu. Então, continuaram. Mas casalzinho gosta de vermelho, gosta de intensidade. Gostam de apertar o Shift e soltar, o tempo inteiro, entre maiúsculas e minúsculas, eles se equilibram. Ela com sapatilhas e ele com gel. Ela por ele, ele por ela. Estavam juntos. Ele com a infância dela, com o tropeço que ela deu aos dez anos, com o primeiro segredo que ela contou à amiga, com o primeiro passo dela. Ela com a felicidade dele em jogar bola, com a vaidade em passar gel, com a primeira palavra dele. A última foi "amor". Era coisa demais pra carregar sozinho. Então, carregavam juntos. Ela com ele, ele com ela. Eles, portanto, com perfumes, brigas, beijos, abraços, espelho quebrado, medo, ciúme, sorrisos, gritos, roupas, cama, garfos, pratos, restaurantes, maçãs, pias, cartas, passados, livros, filmes, sapatilhas e gel. Eles, por tanto.

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