Eles.

Ela tinha o cabelo longo, moreno, pele branca e sorriso contraditório. Ele tinha cabelo curto, sem definição de corte, aquele-corte-que-todo-homem-tem, moreno, pele branca e usava sapatos 45. Mas seus pés eram 44. Ele sempre buscou ser maior. Ela não crescia, era Peter Pan na Terra do Nunca. Mas era Pan, mesmo. Ela era tudo em uma só. Eles eram tão felizes. Aquela felicidade que se percebe, de longe. Eles na rua oposta, felizes. Eles na mesma rua, felizes. Eles eram felizes. A gente não sabia qual era o objetivo em ser feliz. Para alguns, a felicidade alheia doía. Ah, doía, doía como criança pobre que vê criança rica, cheia de brinquedos. Não era inveja, não. Era vontade. Era sonho. Para outros, despertava fofoca. "Ah, não devem ser tão felizes, não... Sorriso aberto é sempre coração fechado" - Criavam até frases, olha. Para eles, mesmo, para o casal feliz, eles eram mais que isso. Ela matava formigas, mas não matava baratas. Ela não gostava de sorvete de casquinha, e achava "sorvette" mais bonito que "sorvete". Ela adorava neologismos. Ele comprava casquinhas para ela. Ele não sabia que ela não gostava. Ele não sabia tudo dela. Ele assumiu seu tamanho e comprou sapatos 44. Eles eram poesia. Eles eram felizes, eles eram poesia. Eles poderiam ter tristezas, mas eles eram poesia. E, em poesia, qualquer sentimento é válido. Dos pés à cabeça, ele não era mais 44. Ele era o número do telefone dela. Começava em 3, terminava em 0. Ele era ela. E, eles, eram poesia.

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